cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo

index

O Homem Transparente/Hollow Man
Realizado por Paul Verhoeven
EUA, 2000 Cor – 112 min.

Com: Elisabeth Shue, Kevin Bacon, Josh Brolin, Kim Dickens, Greg Grunberg, Joey Slotnick, Mary Randle, William Devane, Rhona Mitra, Pablo Espinosa

Um grupo de cientistas trabalha na fórmula da invisibilidade, com fundos do Pentágono. O líder do projecto, Sebastian Caine (Bacon), satisfeito com os resultados em cobaias, não hesita em testar o soro no próprio corpo, ao mesmo tempo que não revela os avanços aos seus financiadores, com receio de ser afastado do projecto, depois de apresentados os resultados finais. Apesar de renitentes, os colaboradores mais próximos, Linda (Shue) e Matt (Brolin), acabam por sancionar as decisões de Caine. O cientista, que já possuía um ego gigante antes da experiência, parece transformar-se à medida que o tempo passa e as paredes metálicas do laboratório não esperam muito até serem salpicadas de sangue.

A base estrutural de «Hollow Man» não apresenta nada de novo. Já vimos um número infindável de cientistas, mais ou menos loucos, verdadeiros génios, que, impetuosamente, arriscam a própria vida para testar neles próprios fórmulas inacabadas. Não há nada de mal com a premissa; temos bons exemplos n' «A Mosca» (1986) de David Cronenberg ou na série televisiva “O Viajante do Tempo/Quantum Leap” (1989-1993). Há quase sempre um preço a pagar pelo poder, pelo vontade de ser Deus, que se traduz normalmente numa vida curta. Os clichés proliferam desde o início do filme – estes cientistas ou têm Porshes ou Minis – mas a direcção de Paul Verhoeven e a gestão dramática estão bem presentes e convencem. Queremos saber o que vai acontecer, mesmo evitando criar demasiadas expectativas.

A integração dos efeitos digitais com a imagem real é virtualmente perfeita e o pormenor anatómico presente nos fade-outs físicos impõe respeito. Não há sinais visíveis de elementos mal misturados, qualquer que seja o tom do cenário ou a iluminação. Mesmo sequências dentro de água, ou envolvendo outros líquidos mais densos ou vapor, estão compostas na perfeição. A ficção científica apresenta-se tão real como o resto.

As coisas mudam consideravelmente quando se muda de registo, ou seja, quando se passa do drama científico para o banal slasher ou filme de psicopatas assassinos. A partir do momento em que começam as mortes, o cinema demite-se. Como é frequente, as primeiras mortes justificam-se, mas depois não há qualquer selectividade; todos são vítimas. O que é que ele quer? O que esperará fazer depois de matar toda a gente? Passar a vida a espreitar mulheres nuas a tomar banho?

As incoerências científicas crescem à medida que se entra no modo serial killer, mas talvez não faça muito sentido apontar estas falhas, tendo em conta que o filme não tem vergonha de seguir convenções que já foram tão gozadas quanto integradas em filmes de género.

[O leitor que não viu o filme deverá saltar o parágrafo seguinte, excepto se não se importar de ler sobre uma série de pormenores da sua parte final.]

Deste modo, o Homem Transparente é violentamente queimado, mas sacode a pele, como se de pó se tratasse. A pele queimada, morta, torna-se invisível depois de alguns segundos de contacto com o corpo? Se os corpos começam por reaparecer de dentro para fora, também deveriam desaparecer desse modo. Mas, convenhamos, que as possibilidades visuais seriam mais limitadas. Uma barra de ferro na cabeça, queimaduras em toda a extensão do corpo e um choque eléctrico, não parecem ser suficientes para deter o monstro. Também não se contorna o mais que visto “climax”, que coloca os heróis a trepar para a salvação e a desviar os tornozelos das garras do monstro. Há mais semelhanças do que estas com «Deep Blue Sea» (1999), concedendo-se que aí se foi mais “imaginativo”, mostrando tubarões a seguir as convenções que estão gravadas na mente de todos os psicopatas assassinos. A estrutura, o cenário e o naipe de personagens é semelhante a esse e a outros filmes, nos quais só se muda a ameaça ou a descoberta científica.

Caine, um cientista ambicioso, parece transformar-se de súbito num adolescente que vê as possibilidades da descoberta científica canalizarem-se na mera perspectiva de visitar a casa de banho das raparigas, depois da aula de ginástica. Claro que não seria incongruente desenvolver o carácter de Caine em sequências similares, integradas numa caracterização mais vasta, mas quando Verhoeven o leva a passar do voyeurismo à “acção” com a vizinha do lado, a cena – onde nos tentam convencer que uma mulher sozinha em casa abriria a porta para espreitar o corredor, depois de tocarem à porta e de não se ver ninguém pelo óculo – é deixada sem resolução, não surgindo referência alguma ao que sucedeu ou deixou de suceder. Conhecendo a obra do realizador seria de esperar um aproveitamento dos efeitos visuais para uma sequência moralmente reprovável.

**
classificações

Publicado on-line em 6/9/00.