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Felizes Juntos/Chunguang Zhaxie/Happy Together
Realizado por Wong Kar-Wai
Hong Kong, 1997 Cor, P/b - 97 min.
Com: Leslie Cheung, Tony Leung Chiu Wai, Chang Chen

Ho Po-Wing (Cheung) e Lai Yui-Fai (Leung), originários de Hong Kong, vivem na Argentina uma relação amorosa tempestuosa - entre separações e recomeços -, que adia a viagem planeada às Cataratas do Iguaçu. O dinheiro escassa e Fai recorre aos trabalhos que pode arranjar, atraindo clientes a um bar de tango ou na cozinha de um restaurante. Durante a separação, Po-Wing prostitui-se e é agredido por um cliente, procurando de novo Fai, que o acolhe. Mas os conflitos permanecem. No restaurante onde passa a trabalhar, Fai conhece Chang (Chang), originário de Taiwan, que afirma desejar querer ir "ao fim do mundo" (Terra do Fogo) e libertar por lá as suas tristezas, oferecendo-se para levar as de Fai.

Wong Kar-Wai não utiliza guiões, antes parte de conceitos, imagens e canções pop, desenvolvendo uma história durante a rodagem dos filmes. É durante a montagem que se define melhor o tema do filme e a primeira tentativa de organizar o material consistentemente resultou em três horas de película. Quando se voltou a cortar o material para os actuais 97 minutos muita coisa teve de ficar no chão da sala de montagem, incluindo todas as cenas com o personagem da cantora Shirley Kwan. Este «Felizes Juntos» procura caminhar numa direcção formal diferente dos anteriores «Chungking Express/Chongqing Senlin» (1994) e «Anjos Caídos/Duoluo Tianshi» (1995), que tornaram o nome de Wong conhecido e respeitado universalmente. O "estilo Wong Kar-Wai" foi bastante copiado - até num video clip da banda Texas - e o realizador não quis fazer mais uma variação do mesmo filme. Até porque, se os dois filmes anteriores eram já relativamente diferentes, muitos acharam que «Anjos Caídos» não passava de um aproveitamento das sobras de «Chungking Express», não passando de um produto inferior.

«Anjos Caídos» será ainda a obra mais bem sucedida no que diz respeito ao trabalho de "design" visual de Wong e do cinematógrafo Christopher Doyle (em «Chungking Express» filmou apenas um dos segmentos, tendo o outro ficado a cargo de Wai Keung Lau, que esteve por detrás das câmaras no primeiro filme de Wong - «As Tears Go By/Wong Gok Ka Moon» (1988)). Esse filme não parecia conter um único plano a velocidade normal, ou sem incluir filtros ou grandes angulares, e conseguia de forma brilhante adequar a atmosfera visual à expressão dos sentimentos dos personagens em cada imagem projectada.

Graças ao trabalho com Wong Kar-Wai, Doyle é considerado como um dos melhores cinematógrafos no activo. A execução é dele, mas a visão é fundamentalmente de Wong. Já na referida obra inicial – uma história convencional de gangsters insignificantes, temperada com um romance entre Andy Lau e Maggie Cheung – se podiam encontrar as imagens de marca da sua futura filmografia; slow motion esborratada e prolongada e planos estáticos da cidade como meio de exprimir um estado de espírito, e não como mero expediente para situar a acção. Da mesma forma, a canção pop já se fazia ouvir, e se «Chungking Express» recorria à repetição constante de "California Dremin'" e incluía uma versão em cantonês de "Dreams" dos Cranberries, «As Tears Go By», um filme mais violento, ofereceu-nos uma sequência romântica ao som de uma revisitação oriental do mega-sucksesso "Take my Breath Away". Em «Felizes Juntos», "Happy Together" – a canção – ilustra o desenlace da situação do personagem central, Lai Yui-Fai, não tão óbvio como poderá parecer que se está a sugerir.

Os temas de Wong são recorrentes, sejam as relações hetero ou homossexuais, e esta obra não é excepção. O fluir do tempo e a fragilidade das relações emocionais são de novo linhas gerais perante as quais diversas situações se desenvolvem. Grande número dos formalismos visuais, no que diz respeito à velocidade da imagem, seja em slow-motion ou acelerada, procuram ilustrar momentos fugazes ou que se desejam prolongar no tempo. Quem apreciar os filmes anteriores, poderá sentir a falta de mais personagens, e da intercalação de diferentes histórias a quebrar a narrativa. Aqui Wong também separa a narrativa em dois segmentos – com a entrada de Chang –, mas a continuidade é mais aparente. Quando Chang surge, sabemos que as coisas não voltarão a ser as mesmas, e os locais "turísticos" visitados próximo do final do filme constituem dois símbolos muito fortes de estados de espírito mas também de atitude dos dois personagens; as águas revoltosas das cataratas do Iguaçu, face à relativa calmaria oceânica na Terra do Fogo. Um local a norte, já em território do Brasil e o outro no local mais a sul da Argentina. Direcções opostas?

O filme passa-se praticamente todo na Argentina (inclui também imagens de Hong Kong, no outro lado do mundo, e um segmento em Taiwan), mas o realizador não se coíbe de afirmar que é sobre Hong Kong. Afinal é 1997, a China é o novo senhorio, e ninguém sabe muito bem o que o futuro reserva.

Tony Leung Chiu Wai, o polícia 663 de «Chungking Express», também conhecido pelo papel ao lado de Chow Yun-Fat em «Hardboiled/Lashou Shentan» (1992) de John Woo, é frequentemente confundido com o actor de «O Amante/L'Amant» (1991) de Jean-Jacques Annaud, mas esse é na verdade Tony Leung Ka Fai. Ambos estão presentes em «Ashes of Time/Dung Che Sai Duk» (1994) de Wong, onde aliás Leslie Cheung também surge. (Há uma referência ao "Espadachim Cego", o personagem de Leung neste filme, em «Felizes Juntos»). Cheung é sempre o mesmo em «A Better Tomorrow/Yinghung Bunsik» (1986), «A Chinese Ghost Story/Sinnui Yauman» (1987) ou em «Adeus Minha Concubina/Bawang Bieji» (1993). Outra coincidência, ou Hong Kong é um lugar muito pequeno: Leung "substituiu" Cheung na terceira parte de «A Chinese Ghost Story».

(Os coleccionadores devem ter em atenção que o vídeo inglês de «As Tears Go By» está censurado em 17 segundos, em cenas de violência. Os cortes são relativamente notórios.)

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