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Fantasporto 2002 - Curtas

Este ano não me meti em nenhuma das sessões exclusivamente compostas por curtas-metragens, de modo que devo ter perdido as melhores propostas, para além da vencedora desta categoria. No entanto, creio que assisti a todas as que foram seleccionadas para exibição no Grande Auditório:

«Le Conte du Monde Flottant» (24 min) é uma co-produção Franco-Japonesa, ilustrando vários momentos da história e da cultura do Japão: kabuki, haiku, samurai, guerra, Hiroshima, desolação, morte, pessoas nuas a rolar num chão ressequido. Um belo poema visual, consumado pelo recurso a técnicas de composição digital, e um excelente exemplo de como as CGI não servem só para fazer bonecos animados ou explosões espectaculares.

«Brasil» (Espanha, 17 min) conta a história de um homem que recorre ao voudou para se vingar da mulher e do amante, mas que sofre os reveses da fortuna devido a um número que também pode ser lido de cabeça para baixo. Divertido e tecnicamente competente. Cumpre o objectivo.

«2x2 Vérsions de L'Amour» (França, 17 min) pega no mote dado por «Timecode» de Mike Figgis, apresentando quatro personagens filmadas em tempo real por quatro câmaras. A execução é muito complicada, em particular quando três das câmaras estão muito próximas a apanhar ângulos diferentes da mesma cena e se tem de evitar que vejamos algum dos operadores. O argumento não tem muito que se lhe diga: um homem sai e diz à mulher que vai comprar cigarros, mas na verdade vai visitar o apartamento do outro casal e falar com a (outra) mulher. A mulher que é deixada sozinha constitui o quadro (ou quarto) mais simples, já que não há muita interacção de pontos de vista. A punchline é algo idiota (dá para rir), mas vale pelo exercício formal e técnico.

«The Moving Pyramid» (EUA, 9 min) é um divertido filme animado por computador, a similar bonecos articulados (com pinos e tudo), ou seja um 3D armado em 2D. A bidimensionalidade é essencial para a história nonsense que se conta. Outrora as pirâmides andavam pelo deserto fora e aqui se explica como e porque é que elas ficaram assentes no chão. O filme parte de uma metáfora social, com líderes no topo da pirâmide, funcionários no meio e escravos em baixo (os que a carregam, avançando na direcção de uma recompensa, à frente dos seus olhos, mas sempre distante). Os funcionários conspiram para alcançar o poder e deitam tudo a perder. Uma prova de que as ideias mais simples (e tolas) podem dar origem às mais interessantes propostas.

Sobram duas curtas nacionais: «O 10º Punhal» (23 min) e «Venus Velvet» (16 min). Tanto uma como outra suscitam pouco interesse, sem ideias novas no ecrã. A primeira desenvolve uma “pescadinha de rabo na boca” algo déjà vu, com um casal que faz um número de cabaret, depois dele comprar um baú numa loja de antiguidades. Lá dentro, punhais e roupas orientais. Como faria qualquer casal normal, na posse de tal relíquia, decidem de imediato praticar tiro ao alvo (ela). O que acontecerá com o 10º punhal? Mistério...? Talvez se se invertessem os papéis tradicionais, sendo ele o alvo, o filme se tornasse mais interessante. Para chegar aos desnecessários 23 minutos de duração, eles riem-se muito, amam-se muito, e também se flashbackam muito.

«Venus Velvet» tem algo de pretensioso, mas pode ser só impressão minha (há que dar o benefício da dúvida). O realizador foi ao palco dizer apenas “não vou falar sobre o filme, vejam-no”, e fez muito bem, não fosse arruinar alguma das suas subtilezas. Dois casais estão num bar, aguardando a destruição da cidade, pela queda de um cometa. Por alguma razão (talvez por se tratar de um filme artístico) não quiseram ir para um abrigo subterrâneo. Um dos casais conversa muito, de modo, ermm, poético. Entre os outros dois, aguarda-se que se dê, ou não, a aproximação. O filme pode-se resumir todo a essa resolução. Mas, apesar de o ter detestado, não acho que uma descrição se justifique. Assim, poderá o leitor, eventualmente, vir a apreciar (ou odiar) «Venus Velvet», desprovido do conhecimento prévio da sua bonita conclusão. Sem ponta (ou em estrangeiro “pointless”).

Publicado on-line em 13/03/02.