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Perigo Público/Enemy of the State
Realizado por Tony Scott
EUA, 1998 Cor - 132 min. Anamórfico.

Com: Will Smith, Gene Hackman, Jon Voight, Regina King, Loren Dean, Jake Busey, Barry Pepper, Jason Lee, Gabriel Byrne, Jack Black, Jamie Kennedy, Scott Caan, Lisa Bonet

Robert Dean (Smith) é um advogado que se vê numa perigosa situação, ao confrontar um mafioso com elementos comprometedores, ao serviço dos interesses de um cliente. No entanto, tal virá a tornar-se um problema menor quando ele se cruza acidentalmente com uma equipa da Agência Nacional de Segurança (NSA), que tenta, a todo o custo, eliminar os vestígios de um homicídio. Reynolds (Voight), o homem que dirige as operações, não se detém perante nada que se possa meter no caminho da aprovação de uma lei, destinada a flexibilizar a utilização das novas tecnologias ao serviço da vigilância do comum cidadão, potencial inimigo do Estado. Com ou sem aprovação da lei, toda a tecnologia existente é empregue para perseguir Dean.

«Enemy of the State» - esteve quase para ser «Inimigo Público» em português, mas era um título demasiado lógico e pouco "emocionante" - é um thriller conspirativo acima da média. A temática é clássica, desenvolvida principalmente a partir dos anos 70: uma sinistra "agência" usa o conhecimento da vida do protagonista e manipula-o de acordo com os seus interesses. Recentemente, tivemos alguns títulos que calcorreavam trilhos semelhantes, como «The End of Violence» (1997) ou «The Net» (1995), este um veículo para Sandra Bullock, a milhas do autocarro do ano anterior. O filme de Tony Scott aparenta ser um (veículo) para Will Smith, mas o combustível é outro. O seu papel é um pouco menos previsível para o actor, que se vai afastando do género engraçadinho let's-kick-their-asses, talvez porque existiram algumas hesitações antes do início da rodagem, particularmente de Scott e de Hackman, os quais insistiram num texto melhor. Scott queria personagens mais desenvolvidos, e, além de David Marconi (o único argumentista creditado), terão polido o guião, primeiro, Aaron Sorkin («A Few Good Men», «The American President»), e, depois, Henry Bean («Internal Affairs») e Tony Gilroy («The Devil's Advocate», «Armageddon»).

Se se têm prosseguido com a prática de fazer filmes de acção à fornada, baseados numa premissa simples, inicialmente desenvolvida a partir do design de meia dúzia de cenas de acção, posteriormente recheada de personagens ocos e de situações com algum (normalmente disparatado) humor, chegando-se eventualmente à chatice de ter de escrever diálogos, por outro lado, também têm havido, felizmente, algum interesse por parte dos estúdios de Hollywood em financiar obras "comerciais" com alguma elaboração no campo do argumento, ou até mesmo onde o texto parece ser o ponto de partida para a produção do filme (o que é algo muito radical). «Enemy of the State», longe da perfeição, está razoavelmente acima de outros filmes do género, o que é obra, tendo em conta que a presença de Will Smith - um dos poucos nomes negros lucrável ab initio perante o grande público americano - poderia ser um indício de que se faria um filme o mais convencional possível, acrescentado de algumas sequências de acção que pusessem os espectadores a falar enquanto se atropelam para sair da sala, assim que começam a correr os créditos.

O personagem de Gene Hackman parece indicar que se trata de uma sequela não oficial(?) de «The Conversation» (1974), de Francis F. Coppola, e não que estamos perante meras referências. Os nomes são diferentes, mas a ficha de Lyle tem a foto do Harry Caul do filme de Coppola. No cenário em que nos movemos, os nomes não têm valor algum. Os locais de trabalho também se assemelham, mas o que mais saltará à vista é uma sequência praticamente igual entre os dois filmes - abre «The Conversation» -, em que um casal circula por um lugar público, desconhecendo que o que dizem é gravado por vários microfones unidireccionais. O casting auto-consciente não se fica por Hackman; Gabriel Byrne e Loren Dean (Hicks, o coordenador do trabalho sujo de Reynolds) saíram directamente do filme de Wim Wenders supra mencionado.

Como refere Kim Newman, as diferenças entre as duas épocas são radicalmente diversas no que toca às esperadas conclusões. Sem querer entrar em elementos dos quais compete ao espectador tomar conhecimento durante o filme - mas para ir totalmente em branco talvez seja melhor saltar já para o parágrafo seguinte -, nos anos 70, em filmes como o de Coppola, era mais natural que o cineasta se preparasse para sugerir que o Estado (ou a entidade em questão) acaba sempre por tornar o indivíduo impotente para reagir, enquanto que hoje há uma necessidade premente de dar a satisfação a quem pagou o bilhete, de ver o "seu" herói a vingar-se ou a triunfar, nem que seja parcialmente.

O que se disse acima não surge como um defeito do filme, porque se lida de forma competente com o material. Há pequenos "pormenores", no entanto, onde se poderia ter tido um pouco mais de imaginação (ou talvez de menos?) Depois de sermos convencidos da plausibilidade das tecnologias empregues, surge um momento em que se consegue ver por detrás de objectos filmados por uma câmara de segurança fixa na parede, sem que se perceba muito bem como seria tal possível (aliás, o efeito visual a que se recorre, costuma ser obtido através da captação, em sincronia, de diversas imagens em redor do objecto), e noutra ocasião sugere-se que é possível obter imagens de satélite do que sucedeu momentos atrás, quando até aí a lógica era o controlo dos mesmos, para seguir e observar os alvos ("ao vivo").

Will Smith, é um homem comum, que apela à simpatia da audiência, num desempenho mais apreciável devido à normalidade do papel, que não foi escrito "para Will Smith". É acompanhado por bons secundários de diversas gerações, incluindo Lisa Bonet, conhecida por ter saltado da harmonia familiar de The Cosby Show para o infernal «Angel Heart» (1987), e para uma cena erótica com Mickey Rourke que teve de ser removida em algumas versões, nomeadamente a destinada às salas norte-americanas. Custa não simpatizar também com o extenso rol de "maus da fita", até porque não se sabe bem até onde vai o conhecimento de cada um do teor da operação. O personagem de Voight é um caso diferente, mas o melhor "vilão" é Pintero, o mafioso de Sizemore. É muito mau. E gosta.

Como se disse, não há recurso a acção espectacular. Mesmo uma sequência de tiroteio é filmada da forma menos estilizada possível, nada "agradável" de ver: a imagem treme, há muito barulho e dá-nos vontade de sair dali. O impasse de dedos no gatilho, popularizado por Tarantino para as audiências ocidentais, remete-nos para o climax de «True Romance» (1993), de Tony Scott (com argumento daquele), e igualmente com a presença de Tom Sizemore.

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Publicado on-line em 7/1/99.