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Elizabeth
Realizado por Shekhar Kapur
Reino Unido, 1998 Cor - 123 min.

Com: Cate Blanchett, Geoffrey Rush, Christopher Eccleston, Joseph Fiennes, Richard Attenborough, Fanny Ardant, Kathy Burke, Eric Cantona, James Frain, Vincent Cassel, Daniel Craig, John Gielgud

Na Inglaterra de 1554, o Protestantismo sofre duros golpes às mãos da Rainha Mary Tudor (Burke), que envia os "herejes" para a fogueira com a benção do Papa (Gielgud) e da Igreja Católica. A Rainha sofre de cancro e o Duque de Norfolk (Eccleston) tenta convencê-la a assinar a sentença de execução da sua irmã Protestante, Elizabeth (Blanchett), sua legítima sucessora, para evitar uma crise social e manter o domínio Católico e o seu próprio poder. Apesar do reinado de Elizabeth I vir a ser conhecido como um período de grande prosperidade para a Inglaterra, o filme do Indiano Shekhar Kapur centra-se nos primeiros e conturbados anos, em que a soberania Inglesa era ameaçada por outros Estados. A vida da rainha é posta em perigo por conspiradores, que podem estar ligados a Espanha, França ou ao Papa. Mantendo uma ligação com o Conde de Leicester, Robert Dudley (Fiennes), Elizabeth é pressionada a um casamento que dê frutos políticos e assegure a estabilidade.

As imagens iniciais de «Elizabeth» ilustram a aniquilação de Protestantes, considerados perversores da "verdadeira" fé e dos mandamentos divinos. Não é de admirar que o período que precede o reinado da Rainha Elizabeth tenha merecido uma designação à sua irmã que viria a ser adoptada para baptizar um cocktail algo popular (e o preferido nos bares do Vaticano): o "bloody mary". Elizabeth reinou até 1603, e é no seu reinado que a Igreja Católica perde a influência em Inglaterra. Optando por se situar no início do período, o guião de Michael Hirst fornece a Kapur o material mais "emocionante".

O filme é facilmente acusado de dar mais importância à forma do que ao conteúdo, pelo recurso a uma estilização que chama a atenção para si própria e não para a cena filmada, enquanto ilustração de determinada parte da narrativa. Mas os formalismos visuais e as "pirotecnias" com as câmaras são cada vez mais frequentes na produção de filmes de época. Mantém-se o cuidado com o guarda-roupa e com a fotografia, e vão-se deixando os planos estáticos e a utilização da câmara como mero meio de captar os actores a declamarem os diálogos. Tal não significa que os formalismos visuais funcionem aqui na perfeição. Alguns floreados podiam pura e simplesmente não existir, como um momento em que um vulto de rosto encoberto parece ameaçar a rainha. Funciona como um símbolo, já que o personagem que depois enforma tal vulto certamente não poderia ali estar, mas, além de poder confundir uma parte da audiência, não tem utilidade alguma no fluir da história. A rainha tinha alucinações? Via coisas? De qualquer forma, esta estética, por si só, não arruina o filme. O que não funciona muito bem são as exageradas preocupações em fazer de «Elizabeth» um filme para entreter. O factor entretenimento não tem de ser negativo, como é óbvio, mas nem sempre se consegue atingir dois objectivos que casam tão mal como duas Igrejas de Inglaterra: construir um drama histórico sério e credível e manter um filme leve durante algumas semanas nos multiplexes a fazer dinheiro.

Um dos elementos mais redundantes, pela forma como é apresentado, é o personagem do Duque de Anjou (Cassel), sobrinho de Marie de Guise (Ardant). Anjou é importante na medida em que funciona como moeda de troca - o possível casamento com Elizabeth traria a paz entre a França e a Inglaterra -, mas surge como um irritante comic relief, um verdadeiro palhaço, cujo comportamento só existe como meio - algo falhado - de tentar obter algumas gargalhadas do público. Se nos quiséssemos rir com a corte de Elizabeth I certamente teríamos melhor sucesso com uma cassete vídeo da série Black Adder. Também é verdade que o embaixador de Espanha, de la Quadra (Frain), mais parece o embaixador de Marrocos. A mania de atribuir características étnicas (mal) definidas aos povos Ibéricos é mais Americana do que Britânica. Como o Reino Unido está mais próximo a pontuação negativa tem de ser a dobrar.

Não há grande força dramática, e o potencial está todo lá, nem com as mortes de alguns personagens que já conhecemos há algum tempo, nem com os perigos com que Elizabeth se defronta, e tampouco com o romance que já se desenrolava no final dos créditos iniciais. As coisas apenas acontecem. O personagem de Christopher Eccleston (de «Jude» ou «Shallow Grave») aparece como o mau da fita e mais tarde apresentam-se, demasiado sumariamente, as suas motivações mais íntimas. O Walsingham de Rush também não tem o desenvolvimento que poderia e deveria ter. Aliás, Rush já havia contracenado com Cate Blanchett no palco, pelo que a familiaridade entre os dois actores poderia ser melhor espremida por Kapur.

Um dos momentos mais interessantes de «Elizabeth» é a alegoria religiosa na "transformação" da Rainha, que elimina (a custo) e substitui a sua "concorrente". A tradução, até aí bastante funcional, fica aparte do verdadeiro sentido do momento: tornar-se, metamorfosear-se, em algo que não se era até então, com sequência no título longo, que inaugura os créditos finais. Excelente fotografia e excelente Cate Blanchett. Já tinha sido referido?

**1/2
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Publicado on-line em 14/2/99.