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O Decameron/Il Decameron
Realizado por Pier Paolo Pasolini
França/Itália/RFA, 1970 Cor - 111 min.
Com: Franco Citti, Ninetto Davoli, Jovan Jovanovich, Vincenzo Amato, Angela Luce, Giuseppe Zigaina, Gabriella Frankel, Vincenzo Crito, Pier Paolo Pasolini, Giorgio Iovine, Salvatore Bilardo

Um jovem que vai a Nápoles comprar cavalos é enganado duas vezes, mas excrementos podem ser sinal de dinheiro. Um homem passa-se por surdo-mudo num convento cheio de freiras, depois de ouvir contar histórias da sua insaciedade. Um grande pecador, às portas da morte, decide alterar o registo da sua memória no mundo. Uma mulher que engana o marido recorre à porcelana para evitar o flagrante. Três irmãos vingam-se da desonra da irmã. Uma jovem dorme no terraço para poder receber o amante, e para ouvir os rouxinóis. Um padre tenta transformar a mulher do amigo numa égua, a pedido destes. Dois amigos, um deles pecando sem interrupção com a sua comadre, fazem um pacto; o primeiro que morrer volta para contar. A partir de certa altura, intercala-se com a história de um pintor (Pasolini) que procura inspiração para pintar o interior de uma igreja.

«O Decameron» traz-nos uma série de pequenas histórias adaptadas pelo próprio Pasolini da obra de Giovanni Boccaccio. O ritmo só se perde ligeiramente quase no final, mas é compensado pelo remate profundo do pintor, antes das letras "fine". O registo é o de comédia moral anti-clerical. A variedade de contos permite uma lição de moral para cada dia da semana e duas para o fim de semana. Alguns momentos de grande comédia, em redor de um característico género de literatura medieval, que jogava com humor baseado em infidelidades, sexo promíscuo e humor abaixo da cintura, particularmente baseado nos órgãos excretórios humanos e nos respectivos produtos. A obra de Geoffrey Chaucer, "Chanterbury Tales", a segunda a integrar esta trilogia medieval de Pasolini, será outra das obras marcantes do género.

Todo o modus operandi do realizador está patente no filme, nomeadamente o ambiente sujo, a utilização de luz natural e de actores amadores, que parecem escolhidos a dedo pelos seus genuínos rostos e expressões de uma inocência quase surreal. Outra das características marcantes da obra de Pasolini está aqui bem patente: o anti-clericalismo. São as freiras curiosas pelos prazeres do mundo, o frade que usa pretensa feitiçaria para abusar da mulher do amigo, as preocupações com o pecado, nomeadamente se é grave entre compadres (de onde vem a máxima "quem peca uma vez, peca duas ou três", adaptada na modernidade pelos hipermercados com o "pague um, leve três"). Existe ainda o personagem condenado ao Inferno, porque além de ser avaro, seduziu várias mulheres, roubou, faz cobranças coercivas e, como se não bastasse, é "um pouco maricas". Mas quem diria que pode ainda ir para o Paraíso?

Quatro anos antes, Pasolini realizou «O Evangelho Segundo São Mateus»/«Il Vangelo Secondo Matteo», pelo qual recebeu elogios da Igreja, e o qual, infelizmente, passou recentemente numa cópia invisionável na TV2. O realizador terá obstado à tradução americana no título inglês que introduziu o "Saint". Decorre daí que também obstaria ao "São".

«Il Decameron» está em exibição numa cópia em bom estado (supõe-se nova, o projector é que não parece ser) no ACS, em Lisboa. Integrados nesta trilogia, os «Contos de Canterbury» estreiam a 12 de Setembro e «As Mil e uma Noites» a 3 de Outubro. Desejar-se-ia que corressem o país, mas é provável que outras salas da Medeia a exibi-los se localizem apenas no Porto.

Música de Ennio Morricone e Pasolini. Originalmente X-Rated nos EUA.

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