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Contacto/Contact
Realizado por Robert Zemeckis
EUA, 1997 Cor - 150 min. Anamórfico
Com: Jodie Foster, Matthew McConaughey, Tom Skerritt, Angela Bassett, John Hurt, David Morse, Rob Lowe, William Fichtner, James Woods, Geoffrey Blake, Jena Malone, Sami Chester

Eleanor Arroway (Foster) é uma astrónoma que persiste em dedicar a sua vida na busca de sinais claros da existência de vida extraterrestre. Após ver cancelado o financiamento da utilização do telescópio de Porto Rico, por ordem do conselheiro científico do presidente, David Drumlin (Skerritt), Ellie procura fundos privados, o que consegue com o aval do multimilionário S.R. Hadden (Hurt). Depois de muito pesquisar o espaço, surge um sinal inequívoco de vida inteligente, proveniente da estrela de Vega, e posteriormente instruções para a construção de uma estrutura que permitirá o contacto. O governo americano, em colaboração com outras nações, decide escolher o candidato ideal para a missão. Após uma parada e um questionário semi-reminiscente de um concurso de misses (mas onde não se fala em ilhas desertas nem em livros favoritos), o candidato é escolhido.

Segundo consta, Francis Coppola processou a Warner Brothers e os representantes do património de Sagan, alegando que este havia desenvolvido a premissa de Contact para os Zoetrope Studios, e que não poderia desenvolver o livro, nem vender os direitos para o cinema. Quaisquer que sejam os factos ou o resultado do alegado processo judicial, «Contacto» é filme e está a ser exibido com sucesso nos EUA desde Julho.

Carl Sagan desenvolveu o livro a partir de um conceito elaborado em conjunto com a sua mulher, Ann Druyan, que surge a seu lado como co-produtora do filme. Sagan faleceu durante a rodagem, e o filme é-lhe dedicado.

«Contacto» esforça-se, do início ao fim, para que o levemos a sério, e Sagan tudo fez para que a ciência apresentada fosse o menos ficcional possível, o que, à primeira vista, poderia ser uma tarefa complicada. Afinal o realizador era Robert Zemeckis, discípulo de Spielberg, e cujo nome surge no final dos créditos de abertura de «Who Framed Roger Rabit?», «Back to the Future» (os três filmes), «Forrest Gump» ou «Death Becomes Her». Mantendo uma seriedade invulgar num projecto de Hollywood dedicado a ETs, Zemeckis não deixa de introduzir marcas do seu humor hollywoodesco, no processo de adaptação para o guião cinematográfico - assinado por James Hart e Michael Goldenberg -, mas não permitindo que tal ponha em causa a credibilidade da obra, e a sua pretensão a um certo realismo científico. Afinal quem é que vai reparar em nomes de personagens como Kent Clark? Os comentários jocosos do conselheiro para a segurança nacional, Michael Kitz (Woods), perante os primeiros sinais, são quase caricaturais, mas inserem-se naquilo que se espera do personagem-tipo que ele representa. Tanto estes aspectos do personagem de Woods, como a magnífica sequência das reacções populares à notícia de que não estamos sozinhos (o comercialismo, os neo-nazis, os fanáticos religiosos...), levam o espectador ao riso, mas não ao ponto de nos fazer negar a (lamentável) naturalidade de tudo.

Sendo de louvar a invulgar seriedade da obra, a parte final levanta o maior número de questões. E como o filme tem duas horas e meia, se a conclusão questionar tudo o que esteve para trás, pode-se sentir uma certa aura de decepção, algures.

Essas questões têm duas naturezas. No que diz respeito ao filme em si, a oposição entre o cepticismo de Ellie e a fé em Deus do ex-padre Palmer Joss (McConaughey, o interesse romântico), poderá ser um pouco cliché, mas não é senão reflexo da mensagem de «Contacto». A fé é necessária ao cientista? Cartesianamente falando, a matemática é real mas só existe porque Deus a criou e Deus tem de existir porque a matemática existe e pode-se provar. Aproximando a experiência empírica de Ellie, sem provas nem registos, de uma espécie de chamamento religioso que algumas crenças invocam (também sentem Deus dentro de si e não o podem provar a terceiros), o filme levanta um ponto interessante, se bem que, em certa altura, parece que Zemeckis nos quer apenas dizer que é tudo uma questão de fé. O que, convenhamos, não chega, num filme onde se quer Ver. De preferência respostas claras. O que nos leva à segunda natureza de questões, que é a plausibilidade de toda a estrutura, e de todo o tempo de película, para se chegar a tão pouco. O «Contacto» é manifestamente escasso, e no tom em que se apresenta, quase se ameaça piorar com mensagens ocas de paz e amor e de "está tudo dentro de nós, desde que acreditemos".

As motivações da cientista são algo indefinidas. Se, por um lado, as lutas internas dos personagens podem enriquecer um filme, por outro, podem servir para fugir ao verdadeiro tema que se expõe no écran. O que reconduziria ao velho handicap de tentar sempre dizer que se está a contar outra história. "Sobre pessoas". Neste aspecto, «Contacto» não desce ao nível redutor da generalidade dos blockbusters, mas a ingenuidade que parece mover a Ellie de 8 anos (poder contactar com entes queridos falecidos), não pode ser transposta, sem mais, para a Ellie adulta, nem o cineasta tem de considerar que está preso a resolução dos conflitos pessoais do personagem, associando a importância do contacto com uma espécie de conversa, com uma pessoa falecida, que ficou por acabar na infância.

Por estes e por outros motivos expostos, apesar de ser um filme interessante, não fará sentido elevá-lo demasiado acima do papel que merece no panorama cinematográfico. Pode ser um filme do milénio, mas não é o filme da década, nem do ano.

Os actores cumprem, e apesar de inevitabilidade de uma mão cheia de nomeações para os Oscars, onde não será de admirar o nome de Foster, a presença de John Hurt, apesar do reduzido tempo no écran, é das mais marcantes. Credita-se um número impressionante de "himselfs", na sua maioria pessoas dos media, como David Letterman ou Jay Leno, contribuindo para o afastamento da tradicional ficção científica, o mais distante possível do presente e da realidade. O presidente faz de presidente, e Clinton parece dizer sempre o mesmo falando da nova Rússia ou de Vega. Mas afinal são apenas efeitos de composição visual ou também deu um pulinho ao set?

A sequência do túnel ("wormhole") está fascinante, e, de um modo geral, os efeitos especiais não são exibicionistas, apenas ilustrando o que há a ilustrar. O plano de abertura também está extremamente bem conseguido, em som e imagem (evite-se ficar encostado a um extremo da sala). Para melhorar a qualidade da definição de algumas destas sequências, utilizou-se também filme de 65mm, e, mesmo transferindo tudo para 35mm, a clareza visual é melhorada. Zemeckis usa bem o espaço scope, mas, como habitual, TVs, editoras de vídeo e público em geral, dar-se-ão por satisfeitos com as caras dos protagonistas centradas no écran, sem a metade do enquadramento "esbanjado" no cinema.

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