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24 Hour Party People
Realizado por Michael Winterbottom
Reino Unido, 2001 Cor – 117 min. Vídeo digital transferido para filme.

Com: Steve Coogan, Keith Allen, Rob Brydon, Enzo Cilenti, Ron Cook, Chris Coghill, Paddy Considine, Danny Cunningham, Dave Gorman, Sean Harris

Entre o documentário e a dramatização que prefere a lenda aos acontecimentos reais, o filme de Michael Winterbotton, escrito por Frank Cottrell Boyce, segue o percurso de Tony Wilson (Coogan) e dos seus projectos no campo da música independente britânica, na cidade de Machester – de 1976, depois do concerto de estreia dos Sex Pistols, até ao primeiro par de anos da década de 90 –, através da criação da etiqueta Factory Records e com a inauguração do “club” Hacienda. As principais bandas com que Wilson trabalhou foram os Joy Division, os New Order e os Happy Mondays, ao mesmo tempo que trabalhava para a Granada TV, apresentando um programa sobre música independente, mas também fazendo reportagens sobre pessoas e patos fora do comum.

«24 Hour Party People» apresenta um interessante retrato de uma época em que Manchester (“Madchester”) foi o coração da criatividade musical no Reino Unido, através de um dos “gurus” desse movimento e das actividades que desenvolveu. Apesar de Wilson dizer que o filme não é sobre ele – num dos muito momentos de auto-consciência que o trespassam, em que Coogan comenta para a audiência alguns dos factos apresentados – cabe-nos contestar essa e outras das suas observações, já que ele é a personagem central, não só o mestre-de-cerimónias, não sendo dada atenção a outras bandas importantes da época, fora da esfera da Factory, como, por exemplo, The Smiths, que levam uma mera referência oral.

Para lá do carisma e dos devaneios artísticos de “personagens” como Ian Curtis (Harris), malogrado vocalista dos Joy Division ou do irresponsável Shaun Ryder (Cunningham), que fuma todo o orçamento de um disco necessário à recuperação da Factory Records, está o sempre presente Tony Wilson, que acompanhamos desde um dos programas em que arrisca o pescoço em prol das audiências televisivas, ao mesmo tempo que seguimos as suas desventuras sentimentais. Mais do que o narrador ou o olhar através do qual assistimos ao documentário ficcionado, estamos dentro do campo da biografia (autorizada, mesmo que não seja inteiramente para levar a sério, já que o verdadeiro Wilson faz um cameo e foi “consultor especial”).

O humor está sempre presente e, como tudo o resto, gira em redor de Tony Wilson, jogando sobretudo com os referidos mecanismos de auto-consciência (isto-é-apenas-um-filme), com exemplos como o do cameo de Howard DeVoto, comentando que não se lembra de determinado acontecimento, em que alegadamente participou, ou quando o nosso narrador se refere a uma cena com outro cameo que não foi usada no filme, ao mesmo tempo que a mesma nos é apresentada, o que constitui um curioso paradoxo.

O filme é mais adequado para todos aqueles que viveram o período aqui retratado, apreciando as bandas editadas pela Factory, mas não deixa de ter interesse “arqueológico”, apesar de estarmos num passado relativamente recente. O público mais jovem, ou com memória mais curta, pode também encontrar motivos de interesse na ilustração das origens de movimentos e comportamentos psico-sociais muito (ou ainda?) em voga nos nossos dias, como a cultura das raves ou o consumo de ecstasy, como droga de eleição pelas pessoas que “vivem” a noite e que resulta, no caso da Hacienda, numa estranha situação em que a casa está cheia, mas a caixa está vazia – com a cabeça cheia de “E”, ninguém se dá ao trabalho de gastar dinheiro do bar e o lucro é todo dos traficantes.

***
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Monumental-Saldanha 2. Bom som, com presença tímida do palco envolvente. Focado ou talvez nem por isso, já que a fonte original é vídeo digital e a má definição, profundidade e cor da imagem lhes estão inerentes.

Publicado on-line em 3/10/02.