Mas, Quem São os Verdadeiros Piratas?

por Alex Cox
Segunda-Feira, 27 de Maio de 2002
The Guardian

Os ”piratas”, de acordo com Bobbie Johnson [nas páginas de The Guardian], na semana passada, “estão a custar a Hollywood bilhões em lucros perdidos.” Tal como George W diz que estamos com ele ou contra ele, na guerra contra o mal, também a Motion Picture Association of America (MPAA) parte para o ataque contra aqueles que se atrevem a, uh, pensarem de modo diferente.

A MPAA é um lobby rico, com aliados poderosos na Organização Mundial do Comércio e num regime de direito de autor (copyright) internacional que favorece os lucros corporativos em detrimento das liberdades individuais. Mas existe justificação para a guerra da MPAA contra os piratas? E serão as suas alegações de bilhões perdidos sequer credíveis?

Há alguns anos atrás, eu e Margaret Matheson tentámos fazer uma minissérie para a TV britânica, baseada n' “A Guerra dos Mundos” de HG Welles. Querendo fazer as coisas bem, contactamos a Aardman Animation e, apesar de se encontrarem na fase mais trabalhosa d' «A Fuga das Galinhas/Chicken Run», eles mostraram-se muito interessados. A maioria dos direitos do livro – incluindo todos os direitos para os EUA – haviam caído há muito no domínio público. Apenas os direitos britânicos pareciam ser detidos por privados: por um antigo músico rock, que esperava transformar a história de Wells num musical itinerante, do género de “Blood Brothers” ou “Fame”. Ele estava determinado a manter-se agarrado a eles.

Então, pensámos, vamos esperar: em menos de um ano, todos os direitos sobre a propriedade intelectual de Wells deveriam cair no domínio público. Por essa altura, nós, e qualquer outra pessoa, seríamos livres para adaptar as suas obras, em qualquer parte do mundo. Bem, estávamos errados. Um grupo de burocratas na Europa decidiu aumentar o copyright artístico por mais 15 anos. Assim o nosso amigo musical pode sentar-se sobre o projecto durante todo esse tempo mais.

A semana passada, um estúdio de Hollywood anunciou que iria fazer «A Guerra dos Mundos», com Tom Cruise. Eles também não vão fazer a versão musical: mas tinham muito dinheiro e, em matéria de propriedade intelectual, o dinheiro é tudo o que importa. Em teoria, nós, os autores, temos um “direito moral inalienável” de deter a propriedade do nosso trabalho. Na realidade, de cada vez que assinamos um contrato com um estúdio, transferimos este suposto direito inalienável, passando-o para o proprietário corporativo, normalmente para sempre.

Quando a MPAA reclama que está a perder bilhões para a pirataria, a minha primeira reacção é “e depois?” Os estúdios de Hollywood já são extremamente ricos; o seu poder aumenta constantemente, sucedendo o mesmo com o poder de outros detentores multinacionais de copyright e patentes, como as firmas farmacêuticas.

Considerem o gravador de vídeo. Quando os gravadores de VHS e Beta surgiram, a MPAA fez uma tentativa agressiva de proibir as suas capacidades de gravação. Gravar filmes da TV era, disseram eles, uma gigantesca ameaça, que iria custar a Hollywood bilhões em lucros perdidos e significava o fim da indústria. A alegação, claro, era um disparate. Ao invés, o vídeo caseiro gerou um novo produto e vários novos fluxos de lucro. Os consumidores gravavam as emissões, mas também saíam para comprar as cassetes vídeo dos estúdios, a preços elevados.

Mas será sequer verdadeira a alegação da MPAA de que a pirataria em redor d' «O Homem Aranha» tenha custado milhões em lucros perdidos à Columbia Tristar? «O Homem Aranha» é um dos lançamentos de estúdio mais bem sucedido dos últimos anos. Actualmente, as únicas versões pirata disponíveis na Internet são de uma incrível má qualidade, filmadas pela camcorder de alguém, apontada a um ecrã de cinema. Para fazer o seu download da web, é preciso ser fanático e muito fácil de contentar.

Versões “pirata” de alta qualidade de «O Homem Aranha» ou «O Ataque dos Clones» não estarão disponíveis antes dos DVDs serem lançados; fazer o download exigirá uma ligação à Internet super-rápida. O lançamento em DVD de ambos os filmes está a uma distância de muitos meses. Que fã fanático da «Guerra da Estrelas» ou do Spidey ficará sentado em casa durante 6 meses, à espera de uma versão pirata decente na Internet, sem ver primeiro (provavelmente várias vezes) os filmes no cinema?

Toda a nova tecnologia até agora introduzida (seja actual, como os CDs e DVDs, ou defunta, como os leitores de 8 pistas ou Beta) assistiu a um aumento nas vendas e lucros dos distribuidores. Estes lucros são optimizados pela manipulação da lei do direito de autor e da propriedade intelectual e por práticas restritivas, como a criação de 6 “regiões” DVD arbitrárias, em vez do “mundo único” dos CDs.

O executivo da MPAA, Fritz Allaway, disse a Bobbie Johnson: “nós vimos o nosso futuro e ele é aterrorizador.” Eu – como muitos outros realizadores e produtores independentes – gostaria de ver o futuro muito mais aterrorizador para Fritz e para os seus amigos; com uma reforma radical na lei do copyright e das patentes e restrições impostas a conglomerados como a AOL/Time/Warner, News International/Fox e Vivendi/Universal/UIP.

As multinacionais corporativas, detendo poder não fiscalizado, aterrorizam-me muito mais do que miúdos com câmaras vídeo. Na realidade, estes últimos, como o estudante norueguês que decifrou o código do DVD, encorajam-me grandemente: o seu desembaraço e a sua criatividade – em vez das petições especiais e práticas restritivas da MPAA – representam um possível futuro brilhante para a nossa indústria.

© 2002 The Guardian
www.guardian.co.uk

But who are the real pirates?, por Alex Cox,
publicado em The Guardian, em 27 de Maio de 2002

Alex Cox nasceu no Reino Unido e é realizador de cinema.
Entre os seus filmes incluem-se «Sid and Nancy» e «Repo Man».
Tem vários créditos como actor, incluindo «Perdita Durango».
É autor de guiões, como «Fear and Loathing in Las Vegas».

30/5/02

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