A razão principal para alterar filmes aquando das edições vídeo é remover "barras pretas". Este processo pode implicar o corte de até quase metade da imagem. Há quem diga que certas versões são aceitáveis e até preferíveis pois mostram "mais imagem". Esta página tenciona ilustrar que também esses raciocínios são, de um modo geral, mal fundamentados. Só há uma razão para preferir versões alteradas: não aceitar "barras pretas". Dizer que se prefere a versão fullscreen porque "mostra mais imagem" é procurar justificar uma opção já consumada.
"Mais imagem" é uma fórmula inadequada neste contexto, pois o filme é definido pelo formato escolhido pelos cineastas durante a rodagem. O que está acima, abaixo ou por detrás da câmara, não é relevante para o filme, nem dele faz parte. Como abaixo se ilustra, não é raro que o processo de remoção dos mattes revele "erros" e comprometa uma ilusão.
No que toca a formatação para encher o ecrã de TV, existem quatro cenários possíveis, de acordo com a fonte original, para os quais se apresentam exemplos.
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Nota: a apresentação das imagens sugere uma comparação entre televisores 4:3. Tal opção é sobretudo prática, pois as imagens widescreen - à excepção de «The Usual Suspects» - foram retiradas de versões optimizadas 16:9, logo mais largas, por comparação com as imagens 4:3, do que aqui se apresentam.
Aqui há apenas acréscimo de imagem redundante acima e abaixo. Numa TV 4:3 não se amplia a imagem, pelo que a justificação para a cópia fullscreen só poderia ser a "confusão" com barras pretas. |
Este caso é ligeiramente diferente: apesar da imagem estar escura, a cópia fullscreen destapa o braço que segura o falso torso (à direita em baixo). (Provavelmente imperceptível depois do overscanning da TV.) |
Aqui ao ganharmos "mais imagem" também nos apercebemos que o "monstro" só existe do peito para cima! |
Sendo certo que em ambas as imagens conseguimos ver o braço de quem controla o boneco, pelo menos no formato correcto não lhe vemos a manga. |
Planos com efeitos visuais normalmente são construidos num formato próximo do de projecção, pelo que raramente existe imagem para acrescentar. No entanto, este filme aparenta ter sido rodado totalmente em hard matte, provavelmente 1.66:1 (o que não invalida que a projecção desejada fosse 1.85:1). |
Um filme neste formato não denota um grande assassinato, mas não deixa de ficar desequilibrado em termos de composição. |
Um filme animado é desenhado para o formato de projecção, ou seja, não "sobra" imagem fora do enquadramento como pode acontecer com um filme em imagem real. Animação digital não foge à regra, mas em ambos os casos é vulgar - em particular com animação feita em Hollywood - que se use um rectângulo ligeiramente mais alto que o formato de projecção (provavelmente 1.75:1). Assim, os cortes laterais são ligeiramente atenuados pela recuperação de finas faixas acima e abaixo. |
Como se pode ver por este exemplo, por mais ligeiro que seja o corte, o compromisso é inaceitável em termos de composição. |
Tudo indica que aqui se preferiu cortar o espaço ao lado dos actores a acrescentar imagem acima e abaixo. |
Como se disse acima, planos com de efeitos visuais digitais implicam sempre cortes notórios na imagem, uma vez que se trabalha numa área do negativo próxima do formato de projecção. Isto é variável consoante a área do ecrã que a imagem digital ocupa e a posição dos actores no enquadramento. |
Os actores ficam quase inteiros, mas a composição nem por isso. |
Devido ao overscan, na TV não se deve ver sequer o nariz de Keanu Reeves. |
Aqui não se ganha nada. Neste caso, o fundo digital deveria estar disponível apenas num rectângulo 2.35:1. |
Não havendo imagem extra para compensar, num filme em "puro" scope as perdas são sempre grandes. As teorias de que hoje em dia poucos realizadores compõem usando toda a imagem disponível são mais um consolo de quem vê muita TV, do que realidade. |
Todos os planos deste género, com dois actores, são convertidos em planos individuais. Por vezes arrasta-se o scanner de um lado ao outro, tentando apanhar quem fala. Neste caso, cortou-se o plano em dois: nunca vemos Embeth Davidtz quando Denzel Washington está a falar, nem o vemos a ele quando fala ela. |
Idem aspas. |
Uma cena deveras tensa. Só que na versão 4:3 atiram-nos à cara os lábios do agressor e nem sequer vemos o rosto assustado da actriz! |
Este exemplo chega a ter graça: não vemos o homem a bater no carro à esquerda e mal vemos o outro a afastar-se, à direita. As poucas pessoas que preferem "ecrã cheio" e gastam dinheiro em sistemas de som também não se devem preocupar com o desequilibrio que tal provoca: o efeito sonoro colocado próximo do centro do ecrã, deveria ouvir-se na extrema esquerda se também o som fosse "formatado". |
A finalizar, uma bonita paisagem. |
«Evil Dead II» - edição Anchor Bay, EUA © 1987 Rosebud Releasing Corporation
As imagens 4:3 de «The Matrix» foram extraídas de making ofs e podem não corresponder exactamente à versão fullscreen oficial.
«La Cité des Enfants Perdus» - edição Columbia Tristar, EUA © 1995 Claudie Ossard Prod., Lumiére, Studio Canal +, France 3 Cinéma, Elias Querajeta, Tele München
«Shrek» - edição Dreamworks, EUA © 2001 Dreamworks LLC
«The Matrix» - edição Warner Bros., EUA © 1999 Warner Bros.
«Fallen» - edição Warner Bros, Europa D3 © 1998 Turner Pictures Worldwide, Inc.
As restantes imagens foram extraídas das versões fullscreen disponíveis nos DVDs acima referidos.