Porquê 16:9?

A RTP inicia transmissões em formato 16:9, segunda-feira, 5/12, e tem estado a publicitar o evento com um conjunto de spots que são, no mínimo, desinformativos. A patetice de quem os concebeu é confrangedora. Das duas uma: ou não sabe o que está a promover, ou acha que enganar o público é mais fácil que informá-lo porque é que o 16:9 é melhor, e quais os efeitos secundários das emissões nas TVs convencionais.

Os referidos spots promocionais caem no ridículo ao afirmarem que o actual formato deixa imagem de fora. Isto é uma mentira lamentável. Qualquer pessoa com uma câmara de vídeo sabe fazer um "zoom out" ou afastar-se do objecto que centra na imagem, se quiser aumentar a área filmada. Quando a emissora mostra, por exemplo, a imagem de um atleta que salta para fora do enquadramento, está a querer dizer que andam há décadas a mostrar imagens incompletas, e que só este formato permite mostrar "tudo". A verdade é que os cameramen que insistissem em filmar daquele modo seriam sumariamente despedidos.

O 16:9 é mais largo do que o 4:3? Mostra mais imagem? Depende da escala, claro. Abstractamente, é mais largo, mas também se concebe que o 4:3 possa mostrar mais imagem, acima e abaixo. Para visualizar isto basta imaginar que numa TV actual, a emissão 16:9 aparece com barras pretas horizontais. E quem não se lembra dos noticiários da TVI, que, usando as peças legendadas em 4:3, as mostrava cortadas em 16:9, com uma linha de texto fora do écran?

Ou seja, se colocarmos, lado a lado, duas TVs de diferentes formatos com a mesma altura, é evidente que a TV 16:9 é mais larga. Mas, se usarmos receptores iguais em comprimento, então a TV 4:3 é mais alta. Numa patetice paralela aos spots da RTP podia-se promover o 4:3 dizendo que o 16:9 não consegue mostrar o cabelo dos actores (por exemplo).

O formato é mais largo, mas não se pode reduzir a aumento da "quantidade" de imagem. Basear a promoção em algo como isto é perfeitamente descabido. O que for concebido para um formato vê-se perfeitamente nesse formato, qualquer que ele seja. Mesmo num écran convencional, se o formato for mais largo - com barras pretas variáveis - é diferente a forma como os nossos olhos recebem a informação. Aumenta a distância entre os extremos do écran e a imagem pode ser "panorâmica" de igual maneira: dois actores, nos extremos de uma imagem em formato widescreen, expressam a distância e a largueza que uma imagem adaptada para encher o écran não transmite ao cortar um dos actores.

Am I missing something? Edivídeo? Ah!
Uma televisão 4:3 pode mostrar uma imagem mais larga. Afinal é o que a RTP vai fornecer à generalidade dos espectadores, mas, seguindo a filosofia patente nos famigerados spots, como vai justificar todos os filmes cortados que tem exibido e que vai continuar a exibir? Quem perceber o conceito, e não tenha uma televisão com 20cm de diagonal, dificilmente sairá a correr para comprar o pacote da «Guerra das Estrelas - Edição Especial», cortesia da Edivídeo. (As imagens pertencem a cópias vídeo reais)

O formato 16:9 é muitas vezes apresentado como "o formato do cinema", o que não passa de mais uma pequena mentira. O formato 16:9 é apenas mais um formato da TV, e há que insistir que o cinema não têm um único formato, o que implicará sempre diferentes modos de apresentação no pequeno écran, i.e., o efeito secundário de barras pretas, de tamanho variável, horizontais ou verticais, se se desejar ver o filme como foi concebido, e não meros excertos. O formato 16:9 é aproximadamente o formato intermédio entre o écran da TV convencional e o formato Panavision (tradicionalmente conhecido por CinemaScope, que hoje corresponde a uma horizontal 2,35 vezes maior do que a vertical). É um compromisso e é, sem dúvida, um formato melhor para ver quaisquer filmes, porque utiliza maior área do écran. Isto é, sobram menos "barras pretas". Não é nisto, nem na maior resolução das emissões Pal Plus que a RTP se baseia para promover o evento. Prefere recorrer a uma mistificação e a enganar os espectadores. Que percentagem de telespectadores é que percebeu que a RTP vai "pôr barras pretas na televisão"?


Exemplo 1: «Os Suspeitos do Costume»

Os Suspeitos do Costume

A imagem original corresponde aproximadamente ao enquadramento real do filme. As imagens "adaptadas" são simulações.

Formato 16:9

só para encher o olho!
Se o editor optasse por centrar este plano (esq.) o resultado não era muito agradável: a composição com os números que marcam a altura dos suspeitos perdia-se. Na imagem fixa não se percebe facilmente que estamos perante uma linha de identificação. Chegando-se o scanner a um dos lados, um dos actores terá de ser cortado. Optando-se pela transferência do filme, como foi concebido (dta.), teríamos um muito reduzido espaço não utilizado (barras pretas). Numa TV convencional a imagem ficava igual à apresentada abaixo, à direita, i.e., as "barras" da emissão 16:9, mais as barras que preservam a composição original. Um filme em Panavision / scope perde cerca de 25% da área, se for formatado para encher o écran.

Formato 4:3

alguns suspeitos do costume todos os suspeitos do costume
A imagem da esquerda, por mais patética que seja, é o pão nosso de cada dia na TV e no mercado vídeo nacional. O que os olhos não vêem... Num plano destes é costume mover-se o scanner de um lado ao outro. Um plano estático torna-se um travelling artificial. No fim, talvez se cheguem a mostrar todos os actores, mas, em cada momento cerca de 43% do enquadramento está cortado.


Exemplo 2: «Casablanca»

And when two lovers woo...

E como será um filme pré-widescreen, i.e., num formato com a proporção equivalente à da actual TV (1.33:1 ou 4:3), apresentado na TV ou transferido para vídeo?

Três hipóteses abaixo.

Esta imagem patética ilustra o modo como 99% dos lojistas expõe as TVs widescreen. Nunca foi a uma secção de "Home-Cinema" de uma grande superfície, e deparou com um écran gigante 16:9, emitindo um vídeo das Supremes distorcido horizontalmente? Apesar de tudo, espera-se que ninguém se lembre de emitir filmes assim... Ilsa, demasiados croissants?
Pela experiência, e tudo indica que se manterá o "interesse supremo" em encher o écran artificialmente, temos de concluir que, daqui a alguns anos, a cópia "normal" de «Casablanca» poderá ser assim. Isto é, 25% cortado, mas - para variar - acima e abaixo (a liberdade criativa do editor pode escolher cortar só acima, só abaixo, ou subir e descer...). Um novo corte de cabelo
A solução mais fácil - e, claramente, a única aceitável - é colocar o filme ao centro, num processo que se começou a designar por windowbox, com barras verticais laterais, de certa forma o inverso do letterbox que nós conhecemos. Dizer "solução" é força de expressão, porque nós não reconhecemos haver um problema. Basta que se editem os filmes integralmente. Hey, estão barras a tapar a imagem. Doh!

Apesar de tudo, as perspectivas não são completamente negras. O DVD conterá, em princípio, várias versões do filme (pan and scan, 16:9, widescreen total). Se o filme for longo, e a memória do disco escassear, qual será a versão a ficar de fora?

7/12/97


Em complemento:
Formatos na TV: 16:9
Letterbox/Widescreen Advocacy Page, para mais comparações entre widescreen/formato original e formatos adaptados, 16:9 e pan and scan.


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